logo

  A PORTA DE 2024


Por Alexandre Garcia

  A PORTA DE 2024

Em passagem de ano todos repetimos, num vai e vem, os votos de feliz ano-novo, automaticamente, sem que a gente se dê conta que do lado de fora de nossos corações e mentes, tudo mais na Terra continua a girar, sem saber do calendário quemarca o ano, essa volta completa que nosso planeta dá em torno de sua estrela. O calendário cria em nós a idéia de que um ano velho se foi, levando os trastes, e virá agora um novo e recém nascido período cheio de esperanças. É a idéia do fim e do recomeço. Já passei por isso e 83 vezes e posso garantir-vos, lembrando Lavoisier, que nada acaba nem começa novo. É tudo continuação. O que vamos colher num novo ano é o que plantamos nos anos anteriores.

Em relação ao que sonhamos e queremos, só faremos acontecer se não ficarmos à espera de que outros façam. Há quem espere por Deus para melhorar de vida, há quem espere pela sorte e há quem espere de governos. Mas o melhor investimento no futuro ano é em nós mesmos, pois em geral ganhamos sempre se apostarmos em nós mesmos. Além disso, para quem depende de milagres divinos,me avisou no dia 31 meu amigo monge beneditino: Deus muitas vezes nos usa para realizar milagres. Quem sabe não poderemos ser instrumento desses milagres?

A mais realista charge desta passagem de ano mostra um grupo de pessoas assustadas se esgueirando por trás de uma parede, enquanto uma delas, cutuca com uma longa vara,empurrando para abrir a porta onde está escrito: 2024. Pois nessas 83 passagens de ano que vivi, nenhuma delas me inquietou com tantas incertezas como esta. O ano que chega parece cheio de perigos para as liberdades, a Constituição, a democracia. O devido processo legal parou de funcionar, os representantes eleitos ou assustados, ou perplexos, ou inermes, ou, quem sabe, abduzidos e o Executivo parece que apresenta a cada dia um novo improviso.  Um 2024 indecifrável; uma porta perigosa atrás da qual pouco se vê. Nem quero pensar no verso de Dante: Deixai toda esperança, vós que entrais. Porque, afinal, brasileiro é profissão esperança.

Quando alguém perdido no deserto clama por água! água! água!, a gente sabe do que está carente. Pois nunca ouvi e li tantas vezes repetida na mídia a palavra democracia, revelando a carência. Quando direitos e garantias fundamentais são desprezados, assim como o devido processo legal e há tanto silêncio a respeito, é porque a palavra democracia está sendo usada não para exigir democracia, mas para fingir que ela está presente. Ela está gravemente doente, mas se quer mostrar que está saudável e forte, com a força das ditaduras. E se silencia, enquanto o calendário avança com restrições à liberdade de expressão, ao direito de ampla defesa. Democracia não sobrevive com exceções abertas na Constituição.  O que nos espera neste ano, a continuar a marcha-ré na democracia? O que haverá por trás da porta de 2024?

=========